22 de abril de 2008

EU TENHO CERTEZA



Eu tenho certeza
Que deveria escrever mais
Que deveria comer mais coisas verdes
Que deveria parar de fumar
Que deveria ver menos televisão
Que deveria parar de escrever poesias medianas
Que deveria ser menos dramático
Que deveria brigar sem motivo na rua só para ver o sangue escorrer pelo canto da boca
Que deveria admirar mais o sol... Estou pálido da caverna
Que deveria visitar os amigos que moram longe, ou escrever-lhes dizendo:
"Eu não tenho certeza nenhuma"

21 de abril de 2008

Diálogos maravilhosos




02 Maio 2007
Feriado:

- Na verdade, eu até queria sair, mas tem alguma coisa me prendendo à cama e ao sofá, desde as 5 da tarde...

- Inércia...

- Hum...

- Um corpo em repouso tende a permanecer em repouso até que uma força igual ou maior seja aplicada sobre ele...

- Vou ter que procurar uma força igual ou maior do que a minha?

- Segundo
Newton sim...

- Newton não sabe de nada!

- Nem eu...

- Ainda bem!

19 de abril de 2008

O amor foi retirado do cardápio



(28 Maio 2007)
O amor foi retirado do cardápio. Porque não vende, camarada. Olha a minha situação: Quando comecei o negócio, acreditava nele uma grande ideia. O produto era de qualidade: paixão, ternura, afeto e todos os sentimentos que temperam para bem a vida do homem. E concorda comigo que o mundo está precisando de amor? O meu primo Ronald, você deve ter ouvido falar, se saiu muito bem com aquela coisa de sanduíche. Achei que iria arrebentar com o meu negócio... 

AMOR, como eu fui besta. Por inocência, consegui apenas me tornar o palhaço esfarrapado da foto acima. Ninguém sequer entrou na minha loja. Ninguém se interessou pelo que eu ofereci com tanto idealismo e confiança. Então, quando os homens vieram foi para levar tudo embora. Pouco a pouco fui entregando meus pertences para tentar me livrar das contas, ainda com esperanças de que eu poderia salvar o negócio, que iam perceber mais cedo ou mais tarde o valor do que eu oferecia. 

O golpe final veio quando finalmente os credores conseguiram arrancar de mim o coração. E sem ele, nem eu, amigo, acreditava mais nas coisas que vendia. Fui à bancarrota. Agora caminho pelas ruas, este palhaço moribundo que você está vendo, oferecendo nos sinais os estilhaços da única coisa que me sobrou. Pedaços de solidão, arrancados com as próprias mãos e caramelizado em meu pranto inútil. É o que eu estou usando para pagar os meus tragos e goles pela madrugada ressentida. Estou tentando guardar algum para um dia recuperar o meu coração. O vazio dói demais, nenhum palhaço é feliz sem o coração batendo. Sem reencontrar a alegria de viver, o que restará a mim?

18 de abril de 2008

Venha me falar de amor


Os acontecimentos a seguir se passam em uma penitenciária:

O silêncio faz parte de mim. Não falar, não discutir e somente ouvir é um preceito do sábio. Assim, um dia após o outro, entre muralhas e aço, pedras e estilhaços, vejo a vida que padece no homem do mundo. Nas noites de negra escuridão e dias de claras hostilizações, viajo nas nuvens escuras em cúmulos que me amedrontam. A noite descansa enquanto nada tenho a fazer senão pensar e enganar a mim mesmo com o propósito de que tudo está bem. Arde o meu cérebro, queimam as minhas artérias e os meus pulmões se esfolam, os pensamentos arquejantes da angústia. Olho aqui e ali. De um lado a outro me restam nada mais nada menos do que 200 centímetros quadrados para respirar e viver. 19h. A luz se apaga. Eu continuo a viagem no nimbus e só me dou conta da pedra fria quando a dor na coluna vertebral já está parecendo um câncer, tão absorto estou em meus castelos de névoa. Refletir é necessário! Regenerar é minha oração. Suplico a Deus e busco o fundo da razão, imploro o seu perdão e durmo para amanhecer entre feras enjauladas em comiseração e ferro, deleites frustrados, homens doentes, mentes embotadas de delírios funestos da ignóbil tentadora. Filhos de Deus talvez, mas trazendo o gene da maldição, o DNA de Satã, embutido em seus sacos de miséria. E o dia amanhece, turbado, obscuro:


- Não sei onde, mas... Aqui dentro? Vocês ouviram?
- Hã? O quê?
- Ouçam!
- O quê?
- Ouçam!
- Cães que ladram, tacapes batendo no chão... Lá em cima... Ouviram?
- É... É...
- Quieto pequeno, não precisa amarelar... São eles... São eles...
- Quem?
- Os hómi, meu! GERAL!
- GERAL? GERAL?
- É! Geral! Todo mundo pelado!
- Meu Deus! Meu Deus!
- Fique quieto Joramil, cacete! Pode aprontar o rabo!
- Será que é mesmo?
- Não. Fica aí dormindo com o rabo pro ar e não fica esperto não!
- Otário! Furão cabuloso! Mané, o ferro entra e você não sente.
O estrondo agora é de arrebentar. Parece uma tropa em combate, mas é o batalhão de choque, mais uma vez, para infernizar a nossa vida. Porra! Cacete! Caralho! Esses diabos outra vez? Meu Deus! Que inferno! Martírio dos diabos:
- Depressa LADRÃO! Vai VAGABUNDO! PELADO! Mão na cabeça seu PÔRRA! Vai CÁRAI!

Que cara analfa esse soldado! Não aprendeu nem falar direito o palavrão, o que se passa na cabeça de uma cria dessas? E lá vou eu, peladão de saco e bunda correndo e vendo o balanço das velas das Naus de Cabral do artesanato, amolecido de medo. Pudera, malandro! Quer ver? Experimenta! Só um pouquinho. Venha ficar de quatro pra você ver o que é que o sargento pode fazer com tu. Sem misturar as coisas, entenda; isto aqui é assunto pra diabo nenhum gostar. Depois de meia hora de barriga no chão, pintainho beliscando cimento e a canaleta do açude, como galinha do sambiquira sem pena (não é mole não, cara!), me chamam pelo nome e eu tenho que sair correndo outra vez e eles acelerando este celerado, com tapas nos lombos e gritos de índios na guerra me fazendo enlouquecer de amor por este lugar, até chegar no pequeno cubículo bagunçado. Duas horas para afrouxar os nervos e mais duas horas para arrumar tudo. Meus livros estavam no boi, minhas calças na outra jega, eu não podia abaixar pra não mostrar minhas pregas aos meus colegas. Toda essa parafernália causava ódio e desejo de vingança. Haviam espatifado tudo numa verdadeira anarquia. Agora é só raiva, ódio mesmo. O que estes caras pensam? Eles vieram para cumprir um dever de inspecionar os recintos em que as mães deles deveriam estar com a gente, ou vieram para dar pauladas, pancadas nos reeducandos e reeducar com hostilidade? É de se pensar que nos quartéis das tão brilhantes sociedades encapuzadas estão adornando esses homens com requinte de Nero, Heródes ou Pilatos, mas não posso falar nisso porque apesar de ser um Cristo expiatório da turba de criminosos impunes pela imunidade parlamentar – para não falar em máfia – tenho só alguns anos para viver e quero viver fora dessa. Eu queria mesmo é me regenerar, mas eles não querem isso. Eles querem os eu-idiotas, mentecaptos da fábrica para ficar na engenhoca deles, fazendo girar a guirlanda de flores que perfuma vossos nomes e dão aroma às suas profissões – Malditos! Mas... Acho que tudo isso foi taramelagem do Ilsson. Vou ficar de olho neste cara e não vou à aula dele nem que ele me traga a xana mais cheirosa e mais gostosa da Citylon ou da Drinacity, mostrando alguma coisa que me chame a atenção, ou venha me falar de amor.
A.S., 2004.

16 de abril de 2008

EM CARTAZ


muito tempo atrás, em uma galáxia muito muito distante:

E no meio do nada tudo ressurgiu. Da explosão de antimatéria eclodiu o último turbilhão de mentiras e a raiva obliterou a visão (ou abriu, sei lá), em um momento retornei à estaca zero, como um backup de versão antiga do Windows, lento e sistematicamente falho. E agora? QUERO RASGAR MEU PORTUGUÊS, ser o herói da minha própria história e encerrar o passado, extirpar tudo o que é sombrio e mal, o que eu suportei por tanto tempo porque achava que era isso que caras bons faziam. 


Assumir responsabilidades. Stan Lee estaria errado ou existem mesmo pessoas que não merecem ser salvas? Só sei que isso tudo já é notícia velha. Voltei à ativa. Continuarei ajudando as velhinhas a atravessar a rua, vou segurar a porta do elevador e dar bom dia a todos. Mas como diria o meu velho amigo e mentor, senhor Adair Simões, famoso estelionatário e desconhecido escritor paranaense foragido desta comarca, só não me venham falar de amor.

1 de abril de 2008

PARTIDO ALTO


“Você pensa que é malandro,
marimbondo é muito mais,
ele morde com a bunda,
coisa que você não faz.”

Partido Alto (não gravado)*

* Este trecho de samba está presente no prefácio de Malvadeza Durão, livro de contos ou "ficções contadas", como Flávio Moreira da Costa previne em sua introdução, que tem como personagens principais a grande nata da malandragem brasileira na década de 70. Em sua dedicatória o autor agradece - aos velhos partideiros, sambistas da antiga, conhecidos e desconhecidos, malandros e valentes, que me ensinaram, mais do que qualquer autor, a maleabilidade, a criatividade da língua que falamos e que só raramente escrevemos.

Para quem ainda não entendeu a rima deixo a pergunta:
Já tentou passar a mão na bunda do marimbondo?

Vã filosofia

E se o mundo acabar
Para mim tudo bem
Não vou pagar a parcela
Que vence no mês que vem

Mas o que mais me incomoda
É você de novo com essa filosofia
Meu camarada tu fala demais
Mas não tem nem pra pagar a bebida

Falar até papagaio fala
Só não me diga
Que é da boemia

O verdadeiro boêmio
Labuta durante o dia
E a noite o abraça para curar suas feridas.

(Virso da caixa di fórfo)