2 de junho de 2012

O homem que virou notícia


Saiu do açougue em um dia normal, como tantos outros o são. Não esperava muito mais da vida do que a sua ração mensal de carne, seu maço de Mill diário e a    sua latinha depois do trabalho, pois também era filho de Deus. Já podia até sentir o bife duro dançando em sua boca, enquanto na TV o banquete era servido na novela das nove. Vinte reais por pouco mais de um quilo de carne vermelha e dura, enrolada em notícias de ontem de um jornal local. Não sabia ler, mas gostava das fotos. Elas encurtavam o longo trajeto percorrido a pé. Havia vendido a bicicleta para pagar a última prestação da geladeira e evitar a negativização do seu nome junto ao serasa. E seguiu caminhando distraído, até o momento em que o embrulho da carne começou a escorrer pelos dedos. Tentando limpar o sangue, levou um susto ao se deparar com uma foto um tanto quanto inusitada no pacote. Uma foto dele no jornal, exatamente no local por onde o sangue nascia. O jornal, a foto, o sangue. Nunca tinha saído foto sua em jornal algum, ou melhor, nunca aconteceu de se interessarem em tirar fotos dele. Absorto pelos acontecimentos, atravessou a avenida Higienópolis sem se importar com o mundo à sua volta, tentando processar a estranha ocorrência. Pensamento que foi interrompido pelo abraço do ônibus 307, que misturou tudo. Sangue e carne, do jornal e dele. Morreu sem saber que aquela era a edição de amanhã.  

Ilsson Siriani

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